Saturday, October 21, 2006


Para que ninguém a quisesse

(Marina Colasanti)

Por que os homens

olhavam demais para a sua mulher,

mandou que descesse a bainha

dos vestidos e parasse de se pintar.

Apesar disso, na beleza chamava a atenção,

e ele foi obrigado a exigir que eliminasse os decotes,

jogasse fora os sapatos altos.

Dos armários tirou as roupas de seda,

da gaveta tirou todas as jóias.

E vendo que, ainda assim,

um ou outro olhar viril

se acendia a passagem dela,

pegou a tesoura e tosquiou-lhe os longos cabelos.

Agora podia viver descansado.

Ninguém a olhava duas vezes,

homem nenhum se interessava por ela.

Ela esquiva como um gato,

não mais atravessava praças e evitava sair.

Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se dela,

permitindo-a que fluisse em silêncio pelos cômodos,

mimetizada com os móveis e as sombras.

Uma fina saudade, porém,

começou a alinhavar-se em seus dias.

Não saudade da mulher.

Mas do desejo inflamado que tivera por ela.

Então trouxe-lhe um batom.

No outro dia um corte de seda.

À noite tirou do bolso uma rosa de cetim

para enfeitar-lhe o que restava dos cabelos.

Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas,

nem pensava mais em lhe agradar.

Largou o tecido numa gaveta, esqueceu o batom.

E continuou andando pela casa de vestido de chita,

enquanto a rosa

desbotava sobre um cômodo.

3 comments:

Thiago said...

Em uma palavra: ótimo!

Unknown said...

Eu defeniria em outra: Perfeito. ;D

Jamie Barteldes said...

Lanço aqui o manifesto pelos textos da Marina.Mandem mais!!