Friday, November 17, 2006





Efêmero

Jamais conseguirua escrever em prosa um livro todo. Minha impaciência confude-se com minha súbita criatividade e nem uma das duas me permite dar continuidade àquilo que comecei. Escrevo crônicas, cinco parágrafos que são espremidos daquilo tudo que eu queria dizer, tanto pela impaciência de não ver o imediato desfecho das coisas, quanto à possível impaciência de quem vai ler.

Sou o agora, o imediato, o resultado. Se a vida não tivesse sido dividida em dias, eu dificilmente sobreviveria a algo que só tem o desfecho com a morte. Vivo como em episódios de uma novela, tenho 24 horas de começo, meio e fim. Dias iguais me entristecem, dias muito longos me estressam.

O fogo em mim nunca incendiou uma casa, o fogo em mim braseia a varanda e se cansa. Mais assusta que destrói, mais começa que termina. Falta-me a paci~encia da brasa, falta-me a inenarrável persistência dos ventos.

Jamie Barteldes
07/02/2006
Pra ler ouvindo: "Wind of change" - Scorpions


Sunday, November 12, 2006




Não quero um carro

Não eu quero um carro. Com um carro eu não precisaria andar quilômetros, braço dado, diálogo constante, risos. Com um carro, eu não atravessaria aguadores de grama em disparada para que um pouco da água ficasse em mim, não caminharia trotando vez ou outra, não conheceria as praças, as barracas, os bancos.

Não me apraz limitar minhas o movimento de minhas pernas e pés a pedais de acelerador, freio e embreagem quando posso correr segurando a calça antes que o sinal abra. Não é de meu interesse procurar um lugar para estacionar quando posso te parar contra a parede aqui mesmo e te dar um beijo. De que me servem buzinas se posso gritar “Olha o carro!” e depois rir de mais um quase atropelamento.

Sigo por entre as ruelas de minha vida conhecendo as casas, desviando das pedras, olhando para um lado e para outro, raramente observando os sinais. Com um carro, a vida seria só imagens passando por janelas, postes que sucedem um após um.

“Home Again” – Carole King

01 de Fevereiro de 2005

Thursday, November 09, 2006




Algo sobre o casamento

Fomos acostumados a temer o casamento, a cerimônia, a oficialização. Tememos um papel como se linhas escritas viessem para tomar-nos a liberdade e dissessem :"agora não tem mais jeito". Como é dificil dizer "quer namorar comigo?", como é mais difícil ainda dizer "quer casar comigo?". É difícil pois não se sabe, por mais que se suspeite, a reação do próximo - muitas vezes não sabemos sequer qual vai ser nossa própria reação ao ouvir tais palavras, se vai-se correr ou ficar, se vai-se morrer ou poder, enfim, respirar.

Acho que se teme tanto por ser desconhecido. Há dois anos e pouco eu afirmaria com certeza que iria morrer solteira, afundando e me reerguendo em paixonites platônicas ou grandes amores que jamais dariam certo. Via-me escritora compulsiva - nada impulsiona mais a arte que a tristeza e a solidão. Hoje vejo-me de aliança no dedo, acostumando-me a assinar um nome a mais depois do meu Barteldes, apresentando as pessoas..."esse aqui é o meu marido", dividindo agrugas e felicidades ao lado de um menino homem que me surgiu do nada.

Vejo casais que se formam e rompem, vejo o mesmo brilho no olhar que carrego em tantas pessoas, vejo excelentes pais, excelentes esposas, vejo famílias que por medo não se formam, que por receio do peso da oficialização de algo que já é real para o universo. E me entristeço por não poder dar-lhes mais que o conselho: casem. Vivam juntos, comam juntos quantas quartas de sal forem necessárias. Ousem descobrir o prazer de não ter que esperar que amanheça para que se veja quem se ama novamente. A madrugada, jovens donzelas, é fria e longa demais para ser passada sozinha.


Trilha Sonora: "Como é que se diz Eu Te Amo" - Legião Urbana

















O Sol


Há um limite para tudo. Acho que é, sim, necessário viver cada sensação que a vida nos apresenta, tanto as boas como as ruins. Mas há um tempo para permanecer nelas. Se nos embebermos demais da mesma sensação, ela deixa de ser algo puro e se torna algo entre a rotina e a conformação. As pessoas ao nosso redor se cansam de passar os dedos entre nossos cabelos, a mesma música toca tantas vezes que perde o sentido e é automaticamente repetida pelos lábios. Não mais se sente. Sentir demais o mesmo por muito tempo é deixar de sentir, é morrer.

Há de se reapaixonar pela mesma pessoa ou por outras quantas vezes forem necessárias, há de se levantar o véu negro e encarar o mundo de novo, há de se perdoar e se não for possível perdoar, há de se esquecer e dar chance ao corpo e ao espírito para sentimentos e sensações novas ou mesmo antigas. É tentador permanecer num mesmo ciclo, é confortável levar nos olhos uma mesma expressão que com o tempo vai ficando apática, é desesperador manter os pensamentos num mesmo estado imutável e ver que desse assunto ninguém mais quer ouvir.

Não é um processo fácil. Desvencilhar-se das vestimentas de vítima do infortúnio é mostrar a carne descoberta para um mundo que lhe machucou de verdade. Mas não há ferida que não seja curada quando se quer curar, não há sofrimento eterno quando se decide não mais sofrer. É uma questão de opção, ou se deixa outro ciclo recomeçar ou se tenta em vão todas as noites segurar a madrugada com toda a força que se tem para evitar que o sol nasça novamente.

Jamie Barteldes


Trilha Sonora: “Hey Jude” – The Beatles